segunda-feira, 5 de março de 2012

Cinema: O 3D e o neon

A Invenção de Hugo Cabret e Drive não poderiam ser filmes mais diferentes, mas têm algo em comum: ambos são experiências cinematográficas em sua essência. O longa de Martin Scorsese, o primeiro trabalho do cineasta usando o recurso 3D, utiliza a própria temática do cinema para desfilar belas imagens em uma profundidade de deixar o queixo do espectador caído.
Mas não é só o uso das três dimensões que torna "Hugo" um filme marcante. A trama que homenageia um dos cineastas pioneiros da sétima arte, George Méliès, funciona como o coração e alma de uma produção suntuosa que poderia muito bem estar mais preocupada com o visual do que com a narrativa. Scorsese, um fã declarado do cinema, dirige o filme com uma sensibilidade que impede que "Hugo" seja um mero espetáculo visual vazio.

A história do órfão que se vê às voltas com um George Méliès esquecido e amargurado é o ponto de partida para que o cinema faça reverência a si mesmo. As imagens construídas por Scorsese não são apenas belas per si, mas estão lá para encher a tela de significados, seja recriando cenas de um cinema esquecido, seja emocionando o espectador por meio de uma história singela e piegas.

Diferente de O Artista, que se sustenta apenas pela nostalgia fabricada de vermos algo que só temos como referência em livros, "Hugo" vai além e explora as próprias possibilidades (técnicas e narrativas) do cinema para fazer uma declaração de amor à sétima arte. “É um tanto didática”, dirão alguns. “É um tanto melodramática”, dirão outros. E é mesmo! Mas quem se importa?!

Scorsese exagera no didatismo, mas não podemos esquecer que “Hugo” é uma produção com temática infantil e pouca gente hoje sabe mesmo quem é George Méliès, então é natural que o diretor apele para uma abordagem mais simplista.

Quanto ao melodrama, o cineasta não economiza no uso da música nem das emoções exacerbadas, mas o faz com uma dignidade e honestidade cada vez mais raras. "Hugo" não tem vergonha de ser um cinema de cores e lágrimas.
Drive trabalha em outra chave, menos emocional e mais estilizada, mas também com certo olhar nostálgico e celebratório em relação ao cinema. Aqui um cinema de gênero repaginado em uma embalagem cult e que bebe na fonte dos filmes de ação B dos anos 80 para narrar a história do típico anti-herói hollywoodiano.
Ryan Gosling, que disputa com Michael Fassbender o posto de ator mais lindo e talentoso da atualidade, é um dublê sem nome que nas horas vagas participa de assaltos como motorista. Dirigir é sua vida, e ele faz isso com precisão.

A partir de uma premissa simples (o motorista se envolve em uma enrascada por causa de uma garota), o diretor Nicolas Winding Refn desfila um repertório de referências cinematográficas embaladas por uma estética neon e uma trilha sonora melancólica que dão um significado extra aos planos abertos e aéreos de uma Los Angeles silenciosa e solitária.

Refn não esconde as referências (Taxi Driver é apenas uma delas). O universo de Quentin Tarantino se faz presente na violência gráfica que domina o filme na sua segunda metade e mesmo no contexto de submundo em que passeiam os personagens. Mas Refn deixa a ironia e verborragia de Tarantino de lado e aposta em uma ambientação mais classuda e introspectiva.

A interpretação silenciosa de Gosling, a trilha matadora de Cliff Martinez, as tomadas em câmera lenta e a edição precisa do filme contribuem para uma aura enigmática que dá o tom do longa, um exercício de estilo que não nega seu verniz pretensioso.

Se Refn peca aqui e acolá na pretensão em que envolve o filme, isso é o de menos. O neon derivado dos filmes de Michael Mann, a jaqueta com um escorpião já clássica que acompanha o personagem e mesmo as movimentações de câmera e angulações compõem um longa que tem o visual como maior trunfo.

Parece pouco, mas não é.  Refn preocupa-se bem mais com a ambientação em si do que com o desenrolar da trama. E a abertura genial que estabelece de imediato o caráter do personagem de Gosling é devedora dessa visão um tanto cinéfila do diretor. Em meio a silêncios e neon, "Drive" é cinema puro.

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